Por Líliam Monteiro, para o Estado de Minas
Aplicação de enzimas na produção de tecidos resulta em economia de água, redução de CO2 na atmosfera, aumento da produção, qualidade superior do material e corte de custos
Aplicação de enzimas na produção de tecidos resulta em economia de água, redução de CO2 na atmosfera, aumento da produção, qualidade superior do material e corte de custos
Pedro Carlos Gomes, químico industrial. |
Os ganhos são inúmeros e vão desde a economia de água e energia, a redução de efluentes, até a geração de menor tempo de processamento – representando para a empresa maior aproveitamento do equipamento em processos de alto enobrecimento de tecidos, a um custo final significativamente menor. De acordo com o professor Jürgen Andreaus, do Departamento de Química da Universidade Regional de Blumenau (Furb), em Santa Catarina, o avanço científico está exatamente na interface entre a compreensão do funcionamento dos biocatalisadores das enzimas, que também são usados em outros campos de aplicação, e do conhecimento, profundo, dos processos têxteis e do maquinário específico dessa indústria. "Além de substituírem produtos químicos em processos têxteis tradicionais, novos processos e produtos podem ser desenvolvidos e novas propriedades, atribuídas às fibras têxteis com a ajuda das enzimas e da biotecnologia", explica Andreaus, doutor em engenharia química e química do meio ambiente pela Technische Universität Graz, na Áustria. O professor da Furb enfatiza que, com o objetivo de tornar os tecidos coloridos, não inflamáveis, agradáveis ao toque, repelentes a óleo e impermeáveis à água, e para obter diversas outras propriedades, a indústria usa diversos processos e uma gama de produtos químicos, na maioria das vezes, em condições muito alcalinas ou ácidas, temperaturas elevadas e consumo de água e energia elevado. Jürgen Andreaus, no entanto, revela que o uso da biotecnologia e, em especial, de enzimas como catalisadores (aceleradores específicos de reação) biológicos em diversos processos têxteis, começou a ser investigado mais fortemente a partir dos anos 1990, permitindo o desenvolvimento de processos ambientalmente mais corretos em condições amenas, como pH neutro, temperaturas baixas, em torno de 50ºC, menor consumo de água, produtos químicos e energia. Ouso de pequenas quantidades de enzimas nos processos também favorece sua utilização. "É possível, nesse processo, determinar as reações que desejamos, sem, por exemplo, destruir determinadas fibras do tecido, o que poderia ocorrer com reagentes químicos normais. Para obter esses resultados tão específicos é necessário identificar as enzimas adequadas e, muitas vezes, usar a microbiologia e a genética para produzir a quantidade necessária das proteínas", diz.
O químico industrial, engenheiro mecânico e técnico têxtil com mais de 40 anos de experiência, Pedro Carlos Gomes, ressalta que a bioinovação com o uso de enzimas pode impactar positivamente na percepção da marca das empresas têxteis, diferenciando em melhor aspecto, toque e qualidade o produto final. Gomes é responsável na América Latina pela área técnica de aplicações enzimáticas da maior fabricante mundial de enzimas industriais, a dinamarquesa Novozymes. Segundo ele, muitas pessoas já têm consciência de sustentabilidade, embora as enzimas e os efeitos que elas proporcionam estejam distantes do consumidor, que não sabe do que se trata. “Os grandes líderes industriais têxteis do Brasil têm adotado processos enzimáticos, mas ainda estão aquém do potencial de uso existente, principalmente em médias e pequenas fábricas. Os processos não são caros, não envolvem equipamentos especiais, rígido controle, nem são difíceis de aplicar", garante. Entre as enzimas produzidas pela Novozymes, estão algumas que podem facilitar as transformações químicas da limpeza da fibra de algodão e a remoção de químicos indesejáveis. Pelas características, as que mais proporcionam sustentabilidade são as pectinases, catalases e celulases (veja , abaixo, o histórico do uso de enzimas). Há um mês, a empresa participou da Feira Brasileira para a Indústria Têxtil (Febratex), em Blumenau (SC), considerado o segundo maior polo têxtil brasileiro, e apresentou um novo conceito voltado para sustentabilidade e respeito ao meio ambiente. "É um processo capaz de evitar a emissão de mil quilos de CO2 na atmosfera por tonelada de malha confeccionada, pois explora o uso de enzimas em todas as fases da produção. E a economia obtida pode chegar a 630 bilhões de litros de água por ano (o equivalente ao uso de 8 milhões de pessoas na área urbana por ano) e 9 milhões de toneladas de CO2 por ano (o que representa 2 milhões de carros na rua)", acrescenta o químico Pedro Gomes.
Confira, abaixo, a história da utilização de enzimas no setor têxtil*
1952
Enzimas amilases – que decompõem amido em açúcar solúvel
Passaram a ser usadas para remover a goma aplicada no urdume, fio do comprimento do tecido, que precisa ser engomado para resistir às forças de fricção e abrasão no tear. Depois, a goma deve ser eliminada para permitir obtenção de um bom grau de branco e de tingimentos distribuídos homogeneamente no tecido. No início, as enzimas amilases erammuito limitadas a condições de aplicação como pH e temperatura. Atualmente, pode-se fazer desengomagem em qualquer equipamento,em qualquer pH e temperatura.Enzimas amilases – que decompõem amido em açúcar solúvel
1987
Enzimas celulases – atacam as fibrilas de celulose na superfície do tecido
Usadas em lavanderias de jeans para obtenção de efeito desgastado e clarear a cor de peças jeans índigo (stone wash). Até esta época, todo o trabalho em lavanderia era feito usando pedras-pome que, por abrasão, faziam o desgaste, mas danificavam equipamentos, poluíam as roupas que ficavam com os bolsos cheios de areia, tornavam os efluentes mais poluentes e a operação cara e demorada, com uso de água em larga escala. Havia nesta época enzima ácida (que trabalhava em pH de 4,5 a 5,5). Hoje, as celulases se dividem em ácidas e neutras e operam em larga faixa de pH e temperatura.Enzimas celulases – atacam as fibrilas de celulose na superfície do tecido
1993
Enzimas catalases – que transformam peróxido de hidrogênio em águaeoxigênio
Operóxidoéusado na indústria têxtil parabranquear (alvejar) o algodão. Normalmente, o processo exige o uso em excesso de peróxido paraumbranco ‘muito branco’. Noentanto, o resíduo de peróxido de hidrogênio contido no tecido ou na malha branqueada precisa ser removido para garantir um bom tingimento. Enzimas catalases fazem esse trabalho rapidamente, economizando água, vapor e energia elétrica, além de garantir boa qualidade na sua remoção.Enzimas catalases – que transformam peróxido de hidrogênio em águaeoxigênio
2001
Peroxidases – para eliminar da fibra corantes reativos hidrolizados
No processo de tingimento com corantes reativos, sempre ocorre umgrau de hidrolização do corante, ou seja, o corante reativo emvez de reagir com a fibra reage com a água do banho e fica depositado sobre o tecido ou a malha. Como resultado negativo desse processo, as cores escuras apresentam forte deficiência de solidez à lavagem (quando se lava em casa e a água fica tingida da cor da roupa lavada, além de manchar peças de outra cor). Essas enzimas destroem este corante hidrolizado, garantindo melhor qualidade, economizando água e tempo no processo.Peroxidases – para eliminar da fibra corantes reativos hidrolizados
2003
Enzimas Pectinase – paraeliminação de pectinas e ceras naturais do algodão
Tecidos e malhas no seu estado cru não absorvem água. A fibra do algodão contém muitas impurezas, que precisam ser eliminadas para garantir bom grau de branco e de tingimento. Ceras e pectinas devem ser removidas para alcançar este objetivo. Processos convencionais usam a soda cáustica e o peróxido de hidrogênio, produtos que geralmente atacam e destroem as impurezas,mas também a celulose do fio, diminuindo o peso e a resistência do artigo. Além disso, são altamente poluentes. As enzimas pectinase fazem a remoção de maneiramenos agressiva.Enzimas Pectinase – paraeliminação de pectinas e ceras naturais do algodão
2008
Bioblasting
Processo que destrói fibrilas expostas na superfície do tecido. Os materiais não tratados apresentam um defeito chamado pilling, quando, ao longo de poucas lavagens da roupa, percebe-se que o tecido vai ficando comaspecto peludo. O bioblasting oferece toque mais macio e mantém o aspecto de novo do tecido por mais tempo. Esse processo envolve o uso de enzimas de celulase e catalase em produtos distintos com propriedades especiais. A celulase, por exemplo, regula a quantidade de sal e poucas enzimas têm tal propriedade. A catalase remove o peróxido residual e a celulase elimina fibras que sobressaem da superfície do tecido.Bioblasting
*Fonte: Novozymes Latin America
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